sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A matemática é a nova corrida espacial

Os resultados do Pisa raramente são motivo de comemoração nos países do Ocidente, e a recente publicação dos resultados internacionais de 2012 não deixaram de desapontar. Países ocidentais foram desbancados das primeiras colocações, e os EUA e Grã-Bretanha permaneceram estáticos e moribundos abaixo da 20a colocação. A Finlândia, anteriormente em um aspiracional primeiro lugar, fracassou em manter o ritmo do progresso asiático na matemática e agora está em 12º lugar. Com esse cenário, por que há tão poucos brasileiros comemorando a sólida melhoria do país nos resultados da matemática no Pisa, que foi de 334 pontos para 391? A verdade é que, por aqui, se tem a exata noção de que continuar melhorando nesse ritmo será muito difícil.
Países de todo o mundo participam do Pisa, uma avaliação realizada a cada 3 anos com alunos de 15 anos. Apenas no Brasil, 20.000 alunos de 831 escolas, escolhidos aleatoriamente, fizeram a prova em 2012. Os resultados revelaram que o país obteve progresso expressivo em matemática durante a última década, graças principalmente à diminuição da proporção de alunos brasileiros considerados de baixo desempenho – ou seja, aqueles capazes apenas de realizar as tarefas matemáticas mais básicas, como a substituição de número em fórmulas. Essa evolução foi comemorada pela comunidade Pisa, e o Brasil entrou para o Conselho Diretor da avaliação em outubro de 2013.
crédito Kovalenko Inna/ Fotolia.com

Porém, analistas da educação brasileira têm sido cautelosos para não exagerar nas comemorações. Embora o progresso tenha sido satisfatório, os resultados acadêmicos permanecem muito abaixo das médias internacionais, com 67% dos alunos brasileiros classificados como sendo de baixo desempenho, comparado com 42% na Turquia e 23% nos EUA. Apenas 1% dos alunos brasileiros foram classificados como os que têm melhores desempenhos, comparado com 55% dos alunos em Xangai e 11% dos alunos no meu país, a Grã-Bretanha. Em 2012, o Brasil ficou na 58ª colocação dentre os 65 países participantes. Como frequente visitante às salas de aula de matemática no Brasil, fico feliz com a evolução, mas não posso deixar de ignorar as barreiras ao sucesso nas futuras edições da avaliação.
O problema é que o país ainda segue um modelo cada vez mais antiquado na educação matemática, no qual os alunos aprendem habilidades e ferramentas matemáticas e apenas ocasionalmente têm contato com problemas matemáticos no contexto do mundo real. Uma tendência recente na pedagogia matemática (a ciência da educação) é apresentar problemas complexos do mundo real, nos quais é exigido que o aluno o desembarace usando o raciocínio matemático. Para os inexperientes, isso pode soar como uma pequena distinção, mas na prática é uma abordagem muito diferente. O Pisa é baseado nessa pedagogia matemática, como também o é o novo currículo dos EUA, o Common Core. (Veja matéria do Porvir sobre o métodoMathalicious).
Como exemplo, reproduzo abaixo uma questão típica da prova Brasil aplicada a alunos do 3º ano do ensino médio:
Duas pessoas, partindo de um mesmo local, caminham em direções ortogonais. Uma pessoa caminhou 12 metros para o sul, a outra, 5 metros para o leste. Qual a distância que separa essas duas pessoas?
(A) 7 m        (B) 13 m    (C) 17 m        (D) 60 m         (E) 119 m
O problema pede que o aluno calcule o comprimento da hipotenusa de um triângulo retângulo, e o contexto do mundo real é apenas cosmético. Dadas as respostas de múltipla escolha e as dimensões reais, o aluno poderia resolver esse problema desenhando um diagrama em escala, usando centímetros ao invés de metros, e obteria a resposta de 13 m, ou ele poderia resolver o problema facilmente substituindo os número na fórmula do teorema de Pitágoras.
Compare esse simples problemas a um exemplo de uma questão do PISA, normalmente aplicada a alunos de 1º ano de ensino médio:
Uma porta giratória é composta por três “asas” que giram no interior de um espaço circular. O diâmetro interior desse espaço é de 2 metros (200 centímetros). As três asas giratórias da porta dividem o espaço em três seções idênticas. O esquema que se segue mostra as asas giratórias.
                  
As duas aberturas da porta (arcos de circunferência, indicadas no diagrama) têm o mesmo tamanho. Se essas aberturas forem muito largas, as asas giratórias não conseguem manter o espaço hermeticamente fechado e, consequentemente, o ar poderá circular livremente entre a entrada e a saída, causando perda ou ganho de calor indesejados. Isso está ilustrado no esquema abaixo.
                     
Qual é o comprimento máximo, em centímetros (cm), que o arco de circunferência de cada abertura da porta pode ter, para que o ar nunca possa circular livremente entre a entrada e a saída?
As questões do Pisa geralmente pedem para que o aluno resolva um problema que, à primeira vista, não se encaixa diretamente em nenhuma das ferramentas que ele aprendeu a usar. A porta giratória é, por exemplo, um novo quebra-cabeça no qual alguns conceitos matemáticos são utilizados e incorporados. O ponto dele é que a porta tem uma forma matemática, mas também tem uma finalidade do mundo real: permitir que pessoas entrem no edifício sem criar circulação de vento. A diferença do problema da prova Brasil é gritante: nele, o exercício pede que o aluno aplique uma ferramenta matemática padrão a um problema da vida real meramente ilustrativo; enquanto isso, o problema do Pisa requer que os alunos entendam o contexto, e só então escolham as ferramentas, dentre uma série de ferramentas que eles conhecem, para resolver a questão.
O Brasil tem o objetivo de atingir a média da OCDE no Pisa até 2021 – ao divulgar o ranking com as notas dos países, a OCDE divulga também a média dos participantes e essa que o Brasil quer atingir. Isso significa que para atingir a média de hoje, a pontuação do Brasil na matemática terá de aumentar em 26%. Para que os alunos brasileiros cheguem a esse resultado, eles terão não apenas que dominar as chamadas “habilidades processuais” (como obter o perímetro de uma circunferência a partir do seu raio), mas também as chamadas “habilidades de raciocínio de ordem elevada” (ou seja, no caso anterior, a dissecação lógica de como a porta funciona). Considerando que 67% dos alunos brasileiros são de baixo desempenho e atualmente não dominam nem sequer as habilidades processuais, há muito trabalho a ser feito!
O Brasil enfrenta muitos desafios para melhorar os resultados no Pisa, sobretudo o enorme número de alunos da rede pública, e as dificuldades para a realização de formação continuada de 1,4 milhão de professores do ensino fundamental. Entre os participantes do Pisa, apenas a Indonésia e os EUA terão de melhorar seus desempenhos com populações semelhantes à do Brasil. Por essa razão, o ensino híbrido na matemática será tão importante para o Brasil nos próximos anos.
Esse método envolve a integração da sala de aula tradicional com períodos de utilização de recursos digitais matemáticos adaptativos, como aMangahigh.com  (a empresa na qual trabalho) ou de alguns dos recursos presentes na Escola Digital. O que é fascinante sobre o ensino híbrido é que a tecnologia pode ajudar a espalhar as melhores práticas de um jeito fácil e barato por salas de aula de todo o Brasil. Além disso, recursos digitais são excelentes para assegurar um nível básico de fluência processual em um grande público, reduzindo o número de alunos com baixo desempenho. Quando o número de alunos considerados como de baixo desempenho for reduzido e os professores tiverem acesso imediato a conteúdos de alta qualidade, eles poderão se dedicar ao desenvolvimento das chamadas “habilidades de raciocínio de ordem elevada”.

A competição internacional em educação matemática tornou-se a Corrida Espacial do capital humano, na qual as economias emergentes asiáticas, como China, Vietnã e Coréia do Sul, têm preparado sua força de trabalho para os desafios tecnológicos do século 21 e ainda ostentado uma ascendência intelectual. O prêmio pela vitória nessa corrida da educação será o controle dos modelos comerciais e indústrias que geram lucros espetaculares no comércio internacional. Para competir nessa corrida, o sistema educacional brasileiro precisará evoluir rapidamente e escolher soluções que possam ser implementadas rapidamente e para um grande número de alunos. As “habilidades de raciocínio de ordem elevada” deverão ser sobrepostas à fluência processual dos 31 milhões de alunos do ensino fundamental do Brasil. Esse é um desafio que mesmo aqueles países com os melhores desempenhos na avaliação Pisa poderão considerar difícil.
Fonte: http://porvir.org/porpensar/matematica-e-nova-corrida-espacial/20140106

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