sábado, 30 de março de 2013

A Escola do Futuro

A tecnologia invade as salas de aula e já movimenta R$ 1,3 bilhão em negócios no Brasil.

Por João VARELLA
Quer ver os alunos da Escola Municipal Presidente Pedrosa, de Curitiba, ficarem bravos? Anuncie a eles que chegou a hora do recreio. Quando precisa passar essa "dura" mensagem, a professora é forçada a elevar o tom de voz para ser ouvida em meio aos lamentos dos estudantes. Não que as crianças da instituição não gostem de brincar no pátio. O que as leva a ficar na sala de aula são os notebooks que ajudam a complementar as atividades curriculares. Além de conhecer os conteúdos de uma maneira mais divertida, os alunos aprendem que devem cuidar do patrimônio de uso comum. "Cada um usa sempre o mesmo laptop e deve cuidar dele direitinho", afirma Rosângela de Jesus Narciso, diretora da escola. 

Apostilas 2.0: alunos do colégio Sigma, de Brasília, trocaram livros impressos por digitais em tablets.
Segundo a pedagoga Marli Pinheiro (ao centro), a mudança aumentou a interatividade nas aulas.

"Mostramos a eles que isso é importante para não prejudicar outro colega." Exemplos como o da escola Presidente Pedrosa, que usa a tecnologia como recurso no processo pedagógico, estão se tornando mais comuns no País, o que abre uma imensa oportunidade. Ainda que usar equipamentos tecnológicos não seja a realidade dominante na maioria das escolas brasileiras, o volume de negócios envolvendo tecnologia e educação já é significativo e tende a crescer rapidamente. Segundo estudo da consultoria IDC, encomendado pela Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o segmento educacional foi responsável em 2011 por investimentos de R$ 1,3 bilhão. 

As oportunidades de negócios passam pela venda de equipamentos, como computadores, tablets e lousas digitais, e pela criação de aplicativos. Companhias como Positivo Informática, Microsoft e pequenas empresas estão atentas a esse movimento. "Surgiram muitos tipos de tecnologias ao mesmo tempo", afirma Hélio Rotenberg, CEO do Grupo Positivo, que fabrica computadores, tablets e smartphones."Vivemos um momento de sedimentação da ideia de que, na escola, cada aluno deve ter um dispositivo, seja tablet, seja PC." A aposta da Positivo nessa área vem de longa data. Em 1993, a empresa fundou seu departamento de tecnologia educacional com a criação de um software para uso didático, que era vendido em disquete. 

Sinergia: Hélio Rotenberg, da Positivo, usa escala da área de educação
para baratear preço

Segundo Rotenberg, o produto não vendeu quase nada. Os anos se passaram e o departamento se integrou melhor com os setores de pedagogia, editoração e tecnologia. Assim, registrou um faturamento de R$ 46 milhões em 2011. O balanço do terceiro trimestre de 2012 aponta R$ 10,2 milhões em vendas nesse segmento, 5,3% acima do mesmo período de 2011. Para impulsionar ainda mais a comercialização, a grande expectativa da empresa para 2013 é uma mesa interativa chamada TOQ. Com ela, até quatro crianças podem fazer atividades em conjunto em uma tela touch screen resistente aos "ataques" dos miúdos, que se debruçam sobre o equipamento sem dó. 

"Pesquisamos exaustivamente a ergonomia e um modo para que as atividades ocorram de uma maneira cooperativa", afirma Elaine Guetter, vice-presidente de tecnologia educacional da Positivo Informática. Entre as tarefas de Elaine está a de obter o máximo de sinergia entre seu departamento e o restante do grupo. Um exemplo disso é a linha de tablets Ypy, voltada para o consumidor final e lançada em outubro do ano passado. O produto foi montado e adaptado depois de a empresa vencer uma licitação de 650 mil aparelhos para o Ministério da Educação (MEC). O preço para o consumidor final está em R$ 699, um dos mais baixos do mercado. 

Ensino coletivo: mesa interativa TOQ, da Positivo, permite
atividades em grupo

As compras governamentais são um bom filão para as empresas. No total, o MEC adquiriu no ano passado 900 mil tablets. Além da Positivo, a Digibras, ligada à fabricante CCE, venceu a outra parte da concorrência. Os tablets atenderão escolas públicas do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (Proinfo). Se a venda de equipamentos ajuda a engordar o caixa num primeiro momento, ela também é importante para o marketing. A Microsoft, por exemplo, oferece softwares gratuitos ou a preço mais baixo para cerca de sete mil instituições de ensino. 

Plataformas como o Office 365, conjunto de ferramentas baseadas na nuvem lançada há pouco mais de um ano, são fornecidas sem custo. "Temos de analisar cada estudante ou professor como um possível divulgador da plataforma Microsoft", diz Milton Burgese, diretor de educação da Microsoft Brasil. Para Burgese, o setor de educação é o que apresenta o maior potencial de crescimento no Brasil. É fácil entender a razão. Segundo o Censo Escolar realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), há no País quase 200 mil estabelecimentos de ensino, nos quais mais de 50 milhões de estudantes têm aulas com quase dois milhões de professores. 

Oportunidade: Milton Burgese, da Microsoft, diz que o setor educacional é o de maior potencial

CUSTO MENOR Se ter os instrumentos é o primeiro passo, usá-los de forma planejada dentro da sala de aula é o caminho ideal, segundo a avaliação de muitos especialistas. Caso essa tendência se consolide, os tradicionais laboratórios de informática podem se tornar obsoletos. Um caso emblemático dessa mudança de visão é o colégio privado Sigma, de Brasília. Lá, os tablets fizeram parte da lista de material escolar de 2012 para as turmas do primeiro ano do ensino médio. A escola investiu R$ 3 milhões em três unidades para adaptar suas salas de aula para o uso dos equipamentos. Nessa conta figuram desde a compra de lousas digitais interativas e banda larga sem fio a mesas maiores para os alunos manipularem os tablets

Também foram instaladas mais tomadas nas salas de aula para recarregar as baterias. Cerca de mil alunos utilizam atualmente o equipamento no lugar das tradicionais apostilas. "O grande diferencial é a interatividade dos livros", afirma Marli Pinheiro, diretora-pedagógica do Sigma. "Fica muito mais fácil compreender a disciplina de física, por exemplo, com animações mostrando para que servem as equações." O custo do material didático também diminuiu. A turma que fez o primeiro ano em 2011 teve de desembolsar R$ 1,9 mil pelos livros impressos. No ano passado, cada estudante precisou pagar R$ 1,6 mil pelos livros digitais. Para 2013, é previsto que o valor diminua para R$ 1,2 mil em razão do volume maior de usuários. 

Tendência de um dispositivo por aluno pode tornar os laboratórios de informática obsoletos 

Alunos do primeiro e do segundo ano já estarão com tablets. A rápida evolução tecnológica é um problema a ser superado pelas escolas. O que a instituição deve fazer para não entrar no ritmo frenético da indústria, que faz com que aparelhos de última geração fiquem desatualizados num piscar de olhos? "O grande desafio da escola contemporânea é evitar os modismos e transformar esse fenômeno em novas pedagogias", diz o professor da Universidade de Brasília (UnB) Gilberto Lacerda, mestre em tecnologias na tducação pela Universidade Laval, do Canadá. Outro alerta de Lacerda é com relação ao preparo dos professores, que devem ser treinados para inserir os recursos tecnológicos de maneira adequada em suas aulas. 

A empresa paulistana Sapienti, que monta salas de aula multimídia, tenta suprir essa lacuna com treinamentos gratuitos aos professores das escolas que adquirem seus produtos, que custam entre R$ 25 mil e R$ 30 mil. Um dos equipamentos que os docentes podem usar nessas oficinas é uma lousa digital de 100 polegadas feita de chapa de metal magnético. Esse material permite desde a exibição de animações interativas até o uso do tradicional pincel atômico. Em meio a isso, é possível ainda realizar uma atividade mais lúdica, aproveitando o metal para colocar ímãs, do tipo dos de geladeira, com figuras no quadro. "Muitas escolas fazem investimentos grandiosos em hardware, mas se esquecem do fator humano", diz Ronaldo de Carvalho, sócio da empresa. "Na educação, os professores sempre serão mais importantes."


Fonte: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/108522_A+ESCOLA+DO+FUTURO

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