De acordo com o Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mais de 45,6 milhões de brasileiros declaram ter algum tipo de deficiência, sendo que 2,5 milhões deles têm entre 4 e 17 anos, ou seja, estão em período escolar e encontram barreiras para estudar. De olho nessas estatísticas, jovens desenvolvem ferramentas como o HandTalk e o Que Fala, aplicativos para celular que buscam auxiliar o acesso à escola dessas crianças e jovens.
O HandTalk, por exemplo, vencedor do prêmio WSA-Mobile, promovido pela ONU, é um aplicativo para tablets e celulares que traduz em tempo real, qualquer palavra ou frase, em português, para Libras (Língua Brasileira de Sinais). Para Ronaldo Tenório, um dos fundadores da ferramenta, o uso da tecnologia pode ser um passo para o acesso de crianças com deficiência auditiva nas escolas que, apesar do crescimento no número de matrículas, continua baixo. No ano 2000, última contagem oficial sobre o assunto, o IBGE mostrou que a população de surdos com idade escolar ultrapassava os 350 mil. Em 2010, dez anos depois, o Censo Escolar apontou que apenas 70 mil estavam devidamente matriculados nas escolas.
Além de auxiliar no processo de inclusão de jovens com deficiência, esse tipo de tecnologia permite um aprendizado em duas vias. “A plataforma é útil para alunos surdos, para que eles possam frequentar a escola da maneira adequada. Com a solução implementada nas escolas, além de estimular esse aluno com deficiência, será um incentivo para seus colegas aprenderem Libras e estreitar o relacionamento entre eles”, explica.
Vídeo, em inglês, sobre o HandTalk:
“Inclusão é assunto de culturas e políticas públicas, para além das práticas. Uma ferramenta, sozinha, não dá conta do recado. Há que haver uma mobilização da comunidade escolar no sentido de rever suas posturas e valores”
Mônica Pereira dos Santos, professora e pesquisadora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, considera algo “super positivo” esse engajamento dos jovens para o desenvolvimento de tecnologias para a acessibilidade, mas ressalta que seu impacto depende de como esta tecnologia vai ser adotada pela escola e seus profissionais. “Inclusão é assunto de culturas e políticas públicas, para além das práticas. Uma ferramenta, sozinha, não dá conta do recado. Há que haver uma mobilização da comunidade escolar no sentido de rever suas posturas e valores (culturas) e tomar decisões que reorientem seu dia a dia em um sentido mais favorável a inclusão (políticas)”, diz.
Para ela, uma das maneiras de obter sucesso com essas tecnologias é por meio de uma formação continuada dos professores que, segundo ela, ainda é a maior barreira que faz com que muitas tecnologias “emperrem” na sala de aula. “[As escolas] podem ajudar convidando os pais a conhecerem o trabalho com as tecnologias que é feito com seus filhos para que, quem sabe, eles possam reforçá-lo sempre que possível”, explica.
A pesquisadora destaca, ainda, a importância do custo baixo para as instituições e famílias que precisam adquirir esses produtos. Pensando nisso, a Que Fala, ferramenta que coloca no tablet aquelas pranchas de papel usada por pessoas com deficiência na fala para se comunicar, oferece preços diferentes para as escolas que adquirem o aplicativo em grande quantidade (10 a 15 pessoas), além de oferecer treinamento gratuito a professores e pais. “Tudo isso é muito importante para dar escala, para fazer acontecer, de fato. Nossa ferramenta foi desenvolvida em Android, porque é possível conseguir tablets por preços bem abaixo dos convencionais, sem limitar a instituição à qualquer marca, já que existem várias, inclusive nacionais”, explica Daniel Barboza, um dos fundadores da ferramenta.
Para Mônica, uma das melhores maneiras para baixar o custo dessas tecnologias, ou “deixar de graça para quem não tem como comprar”, seria com o envolvimento do poder público, que ofereceria apoio para essas iniciativas por meio de incentivos fiscais. Entretanto, uma maneira rápida de colocar esses produtos no mercado, de um modo que seja capaz de atingir a todos os públicos é fazer com que as empresas privadas tenham contato com essas produções.
Nesta semana, por exemplo, aconteceu no Rio de Janeiro, o primeiro Simpósio de Engenharia, Automação e Acessibilidade. Ana Pavani, coordenadora do evento e professora da graduação do curso de engenharia elétrica da PUC-Rio afirma que já comprovou o modo como as tecnologias são, de fato, capazes de fazer o caminho inverso e inspirar outras pessoas. Ela acredita que os benefícios trazidos por essas iniciativas à vida daqueles que têm deficiência, pode fazer com que eles próprios se inspirem a desenvolver suas próprias ideias na área. “Nos projetos que coordeno, nossos professores e alunos com deficiência testam tudo para nós, eles se envolvem voluntariamente para validar e fazer sugestões, mesmo não sendo pessoas ligadas à tecnologia”, diz.
Exemplo dessa motivação está em Ed Summers, que tem deficiência visual e é um desenvolvedor e especialista em softwares para acessibilidade. Liderado por ele, o SAS Institute é responsável pelas ferramentas usadas em 79% das principais companhias do mundo, listadas pela revista Forbes. Summers também é responsável por programas de capacitação de professores, em que os ensina a lidar com tablets na hora de ensinar alunos com deficiência visual.
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